As muitas facetas de um cafajeste
JECE VALADÃO
Ontem, 29-03, no Caixa Cultural foi a abertura da mostra de filmes produzidos por Jece Valadão. Filmes como 'Engraçadinha depois dos 30' (1967), 'Dois perdidos numa noite suja' (1970), podem ser vistos e revistos, de 29-03 até 10-04-11, é só conferir a programação no Centro Cultural da Caixa no Rio de Janeiro.
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De cafajeste a Dirty Harry
Caixa Cultural inaugura mostra com filmes de ação produzidos por Jece Valadão entre os anos 1960 e 1980
Plantão
Publicada em 29/03/2011 às 08h35m
Rodrigo Fonseca
RIO - Perseguidor implacável de sucessos de bilheteria, o capixaba Jece Valadão (1930-2006), ícone entre os machos-alfa do audiovisual brasileiro, viveu dias de Dirty Harry (justiceiro imortalizado por Clint Eastwood no cinema) numa leva de longas-metragens. Concorridos à época de seu lançamento, mas pouco discutidos desde a Retomada, eles serão resgatados a partir de hoje, quando a Caixa Cultural abre uma mostra-tributo ao ator, com 18 filmes, até 10 de abril. Na abertura da retrospectiva, às 15h, entrou "Engraçadinha depois dos trinta" (1967), de J. B. Tanko (1906-1993), que ilustra a relação de Valadão com Nelson Rodrigues (1912-1980), de quem foi cunhado - esteve casado durante 14 anos com a irmã do dramaturgo, Dulce Rodrigues (1929-1985). Mas às 19h, "Nós, os canalhas", >ita
Todos os títulos da retrospectiva integram o acervo da Magnus Filmes, a produtora fundada por Valadão há 50 anos.
- Próximo dos durões vividos por James Coburn ou Robert Mitchum, Valadão não tinha a preocupação de ser um bom moço. Ele fazia filmes sem compromisso com o politicamente correto e assumia isso. Indiferente às críticas, ele fez filmes policiais no Brasil durante quase 20 anos - diz Alfeu França, curador da mostra. - O aspecto mais curioso do acervo da Magnus é o fato de Valadão ter desenvolvido um padrão quase industrial de produção que, mesmo sem as proporções dos estúdios da Vera Cruz, fugia da natureza quase artesanal do Cinema Novo. Ele chegou a produzir três longas por ano.
França vai expor na Caixa Cultural reproduções de cartazes raros de filmes do ator, entre eles o de "Paraíba, vida e morte de um bandido" (1966), que será exibido no domingo, às 19h. Na sexta-feira, também às 19h, a mostra exibe um dos maiores êxitos comerciais do ator: "Eu matei Lúcio Flávio" (1979), no qual ele interpretou Mariel Mariscott, policial ligado ao Esquadrão da Morte.
- Herbert Richers (produtor de longas e dono do mais famoso estúdio de dublagem do país, hoje inativo) tinha uma frase preciosa sobre o papai: "Eu ponho dinheiro nos filmes do Jece Valadão porque eles formam fila na porta dos cinemas"- lembra, com orgulho, o escritor e cineasta Alberto Magno, filho de Jece e seu diretor no polêmico longa "A serpente". - Meu pai foi um pioneiro na criação dos estereótipos de ação no país, desenvolvendo um arquétipo baseado nos durões da Hollywood dos anos 1940 e 1950 como Humprey Bogart e Richard Widmark, de quem era fã. Inspirado neles, ele virou um sonho de consumo entre as fãs: era o homem que seduzia mulheres e derrotava os adversários.
À frente da Magnus, Valadão fez do teatro matéria-prima para produções carregadas de tragédia, indo de Nelson a Plínio Marcos (1935-1999). Sua empresa aparece nos créditos de versões rodriguianas como "Bonitinha, mas ordinária" (1963), de J. P. de Carvalho, que a Caixa Cultural exibe amanhã às 15h. Em 1969, ele produziu a adaptação de Braz Chediak para "A navalha na carne", de Plínio. O filme será exibido na quinta, às 15h. "Tanto com o Plínio quanto com o Nelson, eu me beneficiava do fato de ser um ator natural, que não gosta da fala empolada, e sim dos diálogos de rua", disse Jece nos anos 1990.
Hoje, às 17h, a mostra exibe um dos longas mais celebrados (e bem-sucedidos) do currículo do ator: "Os cafajestes", de Ruy Guerra, que vendeu cerca de dois milhões de ingressos em 1962. O nu frontal de Norma Benguell serviu de chamariz para o público.
- Jece era um cara bem articulado, que sabia ser muito simpático. Ele juntou um grupo de pessoas para entrar com dinheiro em "Os cafajestes". Eu e a Norma teríamos participação nos lucros. Mas quando o filme estourou, Jece criou problemas para reconhecer o meu contrato e eu tive que ir à Justiça - lembra Ruy, que hoje finaliza um roteiro sobre o poeta Fernando Pessoa. - Apesar disso, sempre gostei muito do trabalho do Jece como ator.
Nesta quinta-feira, às 17h, a mostra apresenta o momento 007 de Valadão: "O torturador" (1980), no qual o ator vive um assassino, sempre auxiliado pelo matador Chuchu (Otávio Augusto), que caça nazistas numa república hispano-americana. No livro "Memórias de um cafajeste", Valadão define como começou a atuar, ainda nos anos 1940, bem antes da experiência como produtor. "Cheguei à Atlântida com a maior cara de pau do mundo e disse que queria trabalhar como figurante. Deram-me um formulário para preencher com milhares de perguntas: 'sabe nadar?', 'sabe luta livre?', 'pilota avião?', 'pilota helicóptero', 'fala alemão?'... Respondi tudo que sim e assinei. Quando o responsável pelas contratações leu, deve ter pensado que eu era um gênio da raça. Ou um louco."
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